A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, intensificada pela recente retomada das tarifas promovidas por Donald Trump, tem provocado fortes impactos na agricultura americana, especialmente no setor de soja. Com tarifas recíprocas que ultrapassam 145%, os agricultores americanos, que antes exportavam mais de US$ 15 bilhões por ano para a China, agora enfrentam uma demanda em queda, estoques em alta e preços desvalorizados. A principal entidade do setor, a Associação Americana da Soja, já pediu publicamente que Trump interrompa a escalada tarifária e reabra negociações com Pequim.
O cenário é preocupante: cerca de 500 mil produtores de soja veem o risco de falência se materializar a cada nova semana sem acordo. Muitos deles já vivem à base de subsídios emergenciais, como os US$ 23 bilhões liberados durante o primeiro mandato de Trump. A concorrência brasileira preencheu com rapidez o espaço deixado pelos americanos no mercado chinês. O Brasil, que já era um dos maiores exportadores do grão, agora fornece quase três vezes mais soja à China do que os EUA, segundo a consultoria Terrain.
Mas o impacto não é apenas econômico — ele é político. Estados como Iowa e Louisiana, grandes produtores agrícolas e redutos tradicionais do Partido Republicano, são os mais afetados pela perda de mercados. A escolha da China por retaliar o setor agrícola não é aleatória: ela atinge diretamente a base de apoio de Trump, fragilizando sua estratégia política ao mesmo tempo em que reduz a dependência chinesa dos produtos americanos.
A proposta de ampliar os subsídios agrícolas tem sido a resposta da Casa Branca para conter o descontentamento. Contudo, analistas alertam que se trata de uma solução artificial e insustentável. Enquanto isso, a imagem internacional dos EUA como parceiro confiável sofre abalos. A confiança em acordos com Washington tem diminuído, especialmente após o fracasso do acordo da Fase Um, em que a China comprou apenas 60% do que havia prometido.
As consequências de longo prazo são mais profundas do que se imagina. A guerra comercial afasta investidores, prejudica a reputação americana no comércio global e compromete cadeias produtivas inteiras. Além disso, pode gerar instabilidade econômica interna em áreas rurais, aumentando a desigualdade entre regiões que dependem fortemente das exportações agrícolas e os grandes centros urbanos mais resilientes.
Em uma guerra onde todos perdem, os EUA têm mais a arriscar. O maior prejuízo talvez não esteja apenas nos campos de soja do Meio-Oeste, mas na confiança global na liderança econômica americana. Quando se aposta na confrontação sem calcular os custos políticos e econômicos internos, corre-se o risco de perder muito mais do que se tenta proteger.