A Crise da Seca na Amazônia e o Esquecimento do Transporte Aquaviário: Uma Visão Desproporcional

     A atual seca que afeta os rios da Amazônia não só tem causado prejuízos incalculáveis para as populações ribeirinhas, fauna e flora, mas também expôs uma fragilidade crônica da nossa logística: a dependência excessiva do modal rodoviário. Com os níveis dos rios drasticamente baixos, parte considerável do transporte de mercadorias, historicamente feito pelas vias fluviais, teve que migrar para a BR-319, a única rodovia que conecta Manaus ao restante do Brasil. Essa mudança, forçada pela necessidade, destaca uma questão crítica que há tempos é negligenciada: a visão desproporcional e equivocada da sociedade, das autoridades e da mídia em relação aos modais de transporte, especialmente na Amazônia.

     No momento em que as águas começaram a recuar, a comoção em torno do modal rodoviário foi imediata. O clamor por melhorias na BR-319 e sua expansão foi amplamente divulgado e defendido, como se essa fosse a única solução para manter o abastecimento e o fluxo de mercadorias na região. A imprensa, os políticos e até a população comum se uniram em favor da rodovia, ignorando os inúmeros desafios ambientais que ela representa. Afinal, qualquer investimento em uma rodovia cortando a Amazônia carrega consigo sérios impactos ambientais e sociais. Entretanto, essa mesma urgência nunca é aplicada ao modal aquaviário, que, de forma muito mais eficiente, barata e sustentável, historicamente movimenta as riquezas da região.

O Modal Aquaviário: Eficiente, Barato e Ignorado

     O transporte aquaviário, que deveria ser a espinha dorsal da logística amazônica, permanece negligenciado. A vastidão dos rios amazônicos deveria ser considerada um ativo logístico estratégico, mas, ao contrário, continua sendo tratado como uma opção de segundo plano. Mesmo com a seca momentânea, os rios continuam sendo as vias naturais mais eficientes para o escoamento de mercadorias, com um impacto ambiental muito inferior ao das rodovias e com um custo logístico muito mais baixo. No entanto, a falta de investimento em infraestrutura fluvial faz com que o modal aquaviário seja continuamente subutilizado e, em momentos críticos, seja abandonado.

     A criação de hidrovias na Amazônia é uma demanda que existe há décadas, mas que nunca foi priorizada. Não existem projetos consistentes de dragagem, sinalização, manutenção regular das vias e infraestrutura adequada para o transporte aquaviário na região. O cenário é de abandono: o potencial é imenso, mas a falta de ações concretas condena o modal ao esquecimento. Enquanto isso, cada quilômetro de estrada recebe mais atenção e recursos, como se a Amazônia pudesse ser cortada por rodovias sem que isso acarrete consequências ambientais catastróficas.

A Burocracia e o Custo de Investir no Aquaviário

     Outro aspecto alarmante é a resistência enfrentada por qualquer tentativa de investir no transporte aquaviário. A burocracia é esmagadora, e os custos acabam se tornando inibidores. Para cada investimento realizado no setor rodoviário, o aquaviário enfrenta uma cobrança desproporcional em termos de regulamentação, autorizações e financiamento. É como se qualquer avanço nesse setor fosse visto como um peso ou uma ameaça aos interesses estabelecidos no modal rodoviário. Essa disparidade de tratamento cria um desequilíbrio perigoso, que perpetua o atraso e a falta de competitividade da nossa logística.

     A conta para quem busca melhorar o transporte fluvial sempre chega rapidamente, com inúmeros obstáculos impostos por um sistema que não valoriza a eficiência e a sustentabilidade. Enquanto o modal rodoviário é tratado como prioridade nacional, o aquaviário é relegado ao segundo plano, mesmo sendo o modal mais vantajoso para a realidade amazônica. A pergunta que devemos nos fazer é: por que estamos negligenciando o transporte mais sustentável, econômico e ecológico?

A Integração dos Modais como Chave para a Competitividade

     Para que o Brasil possa competir no mercado global, é essencial que haja investimentos significativos e equilibrados em todos os modais de transporte. Rodovias, ferrovias e hidrovias não devem ser vistos como concorrentes, mas sim como sistemas complementares. Na Amazônia, onde a geografia única e as condições climáticas exigem soluções logísticas inteligentes, essa integração é ainda mais crucial. Não podemos mais nos dar ao luxo de acreditar que um modal pode sobreviver sem o outro. O fortalecimento do transporte rodoviário depende de uma navegação robusta, assim como o transporte aquaviário necessita de um sistema terrestre eficiente para garantir a fluidez da logística.

     A crise climática atual deveria servir de alerta para a necessidade de uma revisão profunda das nossas políticas de transporte. Em vez de priorizar apenas um modal, devemos entender que todos têm um papel essencial na construção de uma logística eficiente e competitiva. É fundamental que hidrovias sejam desenvolvidas e mantidas com a mesma dedicação e investimento destinados às rodovias.

     O transporte rodoviário, sem dúvida, movimenta o Brasil internamente, mas o aquaviário é a chave para conectarmos nossa produção ao mercado global. Sem um sistema fluvial eficiente, o Brasil perde competitividade internacional e a Amazônia, com sua vasta malha hidrográfica, continua sendo subaproveitada. A integração desses modais não é apenas uma questão de escolha, é uma necessidade estratégica para o desenvolvimento sustentável e econômico do país.

Investir em Logística é Investir no Futuro

     O futuro do Brasil depende de uma logística integrada e eficiente. Não podemos mais ignorar a importância do transporte aquaviário e a necessidade de torná-lo uma prioridade. A seca nos rios amazônicos é um problema temporário, mas os desafios da nossa logística são permanentes. Se queremos um país competitivo, sustentável e economicamente viável, é essencial que haja investimentos sólidos em todos os modais, especialmente no aquaviário, que é o mais adequado para a realidade da Amazônia.

     O transporte rodoviário pode movimentar o Brasil, mas é o aquaviário que une as nações do mundo. O tempo de olhar para o futuro com uma visão desequilibrada já passou. Agora, precisamos agir com inteligência e estratégia, investindo em logística de maneira integrada, sustentável e eficaz. O Brasil e a Amazônia merecem mais do que soluções temporárias; merecem uma infraestrutura de transporte que seja capaz de suportar o desenvolvimento de longo prazo e que preserve o meio ambiente enquanto promove o crescimento econômico.

Raimundo Holanda C Filho - Empresário, Presidente da FENAVEGA, Vice Presidente da CNT, Membro dos Conselhos do SEST-SENAT, ITL e FUMTRAN

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